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Atentado contra o interesse público

Por Heloisa Bedicks, superintendente geral do IBGC; e Sérgio Lazzarini, professor do Insper

Uma das premissas para a criação das agências reguladoras é a necessidade de afastamento de interesses político-partidários da regulação de atividades econômicas de interesse público. Essa separação foi importante para respaldar o processo de privatizações e desestatizações da década de 1990, oferecendo estabilidade regulatória e jurídica aos investidores. Ao longo do tempo, porém, essa premissa se perdeu, com casos notórios de captura de agências por pessoas indicadas por partidos políticos e sem a devida experiência e formação técnica para lidar com o escopo e complexidade de melhores práticas de regulação.

Desenvolvida e amadurecida desde 2003, com contribuição significativa de técnicos do Poder Executivo, a proposta da Lei Geral da Agências Reguladoras (PL 6.621/2016, na Câmara dos Deputados, e PLS 52/2013, no Senado Federal) que visa aperfeiçoar a gestão, a organização, o processo decisório e o monitoramento das agências reguladoras, é uma oportunidade concreta de avanço institucional significativo nessa área. O texto traz elementos importantes para fortalecer a autonomia, a transparência, o padrão de conduta, a eficiência administrativa das agências reguladoras, incluindo procedimentos mais estritos e rigorosos de seleção de profissionais para atuar nessas agências.

No entanto, preocupam algumas modificações introduzidas pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados no texto do PL 6.621/2016, que já tinha sido aprovado pelo Senado, pois vão na contramão dos anseios da sociedade civil por uma administração pública mais técnica e independente. A versão aprovada na Câmara em 11 de julho de 2018 e que segue agora no Senado não somente enfraqueceu procedimentos de blindagem das agências reguladoras contra a interferência de interesses político-partidários, como também trouxe um verdadeiro retrocesso na governança de empresas públicas e sociedades de economia mista, por meio de revogação de dispositivos essenciais da Lei 13.303/2016 (Lei das Estatais).

A fim de reduzir a presença de dirigentes sem a devida qualificação ou comprometidos com agendas pouco transparentes, o projeto de lei das agências reguladoras buscou replicar requisitos e vedações existentes da Lei 13.303/2016 para a indicação de administradores. Trata-se de um dos principais méritos da Lei 13.303/2016, elaborada em resposta aos escândalos de corrupção e eventos de intervenção política nas estatais, ocorridos nos últimos anos.

Lamentavelmente, deputados excluíram desses pontos justamente o que impedia a indicação para o conselho diretor ou diretoria colegiada de agências reguladoras “pessoa que tenha atuado, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”. Mais ainda, o PL foi usado para alterar a Lei das Estatais, revogando não só essa mesma vedação, como também a que proíbe parentes de políticos na administração de estatais.

A retirada do veto à indicação de agentes políticos atenta contra a independência e os interesses públicos que devem pautar a atuação de agências reguladoras e das empresas públicas e sociedades de economia mista. A mudança, essencialmente, abre novamente espaço para que partidos políticos, e seus indicados, tenham participação ativa na gestão das estatais, jogando por terra avanços de governança que foram conquistados nos últimos anos. Além disso, subverte o texto das agências reguladoras que já havia sido aprovado no Senado, impedindo que esses órgãos conquistem a independência técnica necessária para reduzir riscos de interferência setorial do governo em exercício, incluindo intervenções exercidas por meio de suas estatais. Significa, portanto, jogar fora as lições aprendidas.

Nas últimas semanas da atual legislatura, o projeto de lei corre risco de ser aprovado dessa maneira. Como o PL abre portas para a volta indiscriminada de loteamento de cargos em agências reguladoras e empresas estatais – algumas dotadas de orçamentos bilionários e em setores estratégicos –, teme-se que haja um esforço para sua aprovação em benefício dos interesses dos políticos, em vez dos interesses da sociedade que eles próprios representam. Esperamos que o respeito às melhores práticas de governança prevaleça e que os congressistas não ponham a perder avanços institucionais conquistados a duras penas, em um momento onde a população clama por probidade e respeito ao interesse público.

(Artigo originalmente publicado no Correio Braziliense, em 12 de dezembro de 2018)


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