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Todas as empresas precisam manter relações com governos

Companhias devem representar seus interesses pois decisões públicas impactam direta e indiretamente os negócios​

“Avanços tecnológicos tornam esse caminho sem volta. A inovação vai repactuar as regras existentes no relacionamento entre a inciativa privada e o poder público”, avalia Humberto Dantas, professor e coordenador do curso Master em Liderança e Gestão Pública (MLG) do Centro de Liderança Pública (CLP). O cientista político participou do painel “Contexto político e o papel dos administradores nas relações com o setor público”, realizado no dia 30 de outubro, na sede do IBGC, em São Paulo. Na ocasião, foram discutidos temas como os escândalos envolvendo autoridades e empresários, a perda de confiança da população e a reestruturação das relações entre iniciativa privada e poder público. Confira na entrevista a seguir:


Somente empresas que têm negócios com o poder público ou atuam em setores regulados devem manter departamento de relações governamentais?

Toda empresa acaba tendo interesses associados ao universo político e não apenas aquelas que mantêm contratos com governos. Um exemplo é a regulação tributária, a forma como se recolhe os impostos. Essa questão impacta diretamente todas as estratégias empresariais. Portanto, o universo das relações governamentais é mais complexo e abrangente do que aspectos comerciais. Algumas empresas sequer mantêm algum tipo de relacionamento com o poder público, mas lamentam quando decisões são tomadas contra seus interesses. É preciso ter mais consciência da importância das relações governamentais.


Como o setor privado está atuando na articulação política depois da Lava Jato?

Devemos fazer essa análise a partir da visão de que, tanto aqui quanto no exterior, o país é visto como um lugar onde prevalece a lógica da corrupção. As grandes operações, como Lava Jato e Zelotes, reforçaram a percepção de que existe muita corrupção. Entretanto, é perceptível que esforços estão sendo feitos para contermos esse tipo de ato ilícito. As operações policiais impuseram mudanças, uma nova forma para essas relações. A defesa de interesses das empresas junto aos governos é legítima, faz parte da lógica representativa da democracia, mas a representação desses interesses deve acontecer de maneira legal, lícita e transparente. Na minha percepção, boa parte das empresas passou a ter mais cuidado no relacionamento com governos. Elas estão adotando regras mais claras de compliance e em busca de transparência. Reconheço que as empresas ficaram mais conservadoras, mas no sentido benéfico. Passaram a mostrar que estão estruturando, com mais clareza, suas atividades junto ao poder público. Ressalto que o poder público também precisa responder de forma satisfatória. Os governantes devem ser mais cuidadosos e não devem receber donos de empresas de madrugada e fora da agenda. As empresas e a sociedade esperam mudanças.


Como deve ser feita a interlocução com o poder público?

Há diferentes estratégias. Empresas pequenas ou médias, ou aquelas que não têm vocação para relacionamento com o poder público, contratam escritórios de advocacy (ou de lobby) para representar seus interesses. São firmas que acompanham as temáticas nos poderes legislativo e executivo. Outra forma de articulação é por meio das associações de classe, normalmente patronais. Empresários de um determinado segmento se unem em grandes rodadas de negociação por meio de fóruns, comitês, comissões. Outras empresas têm suas próprias áreas de relações governamentais. São departamentos robustos, com profissionais e equipes altamente qualificados. A articulação também pode ser feita pelo diretor, CEO ou dono da empresa (no caso de empresas familiares). Essas três maneiras de relacionamento podem existir concomitantemente.


Em 2019 teremos um novo presidente e um Congresso Nacional renovado. Como ficam as relações das empresas com esse novo governo?

Teremos novos desafios para os profissionais de relações governamentais. Contatos terão que ser refeitos e idas ao Congresso deverão ser intensificadas. O novo governo se elegeu falando em combate à corrupção. Por isso, eu gostaria que arranjassem formas mais cuidadosas de se relacionar com as empresas.


A regulamentação do lobby ajudaria nesse processo de amadurecimento das relações entre agentes públicos e privados?

Não sou do time que acredita que lei resolve tudo. No caso específico do lobby, é importante criar balizadores para essas relações. Organizações internacionais e diversos países têm legislações exclusivas para a atividade. É uma preocupação mundial e o Brasil deveria seguir o exemplo e regulamentar o lobby. Infelizmente, desde a década de 1980, surgiram diversas iniciativas no Congresso Nacional, mas sem êxito. A regulamentação vai depender da pressão da sociedade.


Relações governamentais deveria ser um item na na pauta do conselho de administração? Qual é o papel do board quando se fala em articulação com o poder público?

Esse é um tema que deve entrar na estratégia e precisa fazer parte das discussões. Se existem relações que fogem do que seria eticamente esperado, isso deve ser debatido pelo conselho. É preciso fortalecer a transparência nos canais junto ao poder público para que os empresários mostrem que prevalece a lógica da conformidade. Toda a sociedade ganha quando os governos se tornam mais ágeis e impessoais nas relações com a iniciativa privada. A luta constante contra a inabilidade e a lentidão do poder público tem que ser constante. Nosso Estado é tão burocrático e complexo que algumas vezes cria a dificuldade para vender a facilidade. É conveniente alegar o recebimento de pagamentos para fechar contratos pois seria impossível de outra forma. O desafio é encontrar o ponto de virada.


Qual é o caminho para termos relações mais transparentes, ágeis e blindadas contra a corrupção?

Existem exemplos de iniciativas bem sucedidas. O licenciamento ambiental do Estado do Rio de Janeiro foi implementado em uma plataforma online que reforça a impessoalidade da relação dos usuários com o poder público – estamos falando de um governo estadual reconhecidamente envolvido em corrupção. A interface com o cidadão é feita pelo sistema, o que diminuiu a possibilidade de atos de corrupção, além de agilizar e dar mais segurança ao processo. Não estou dizendo que o problema de corrupção foi resolvido, mas o sistema é seguro e impessoal. Houve avanço no combate à corrupção. Avanços tecnológicos tornam esse caminho sem volta. A inovação vai repactuar as regras existentes no relacionamento entre a iniciativa privada e o poder público.


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