Governança das estatais enfrenta problemas estruturais
Conselho tem poder limitado em decisões estratégicas, como demissão ou pagamento de bônus de CEO
A Lei das Estatais (13.303/16) trouxe avanços na governança corporativa, mas os conselhos de administração enfrentam grandes desafios na condução estratégica das companhias. A interferência dos governos na condução das companhias ainda é questão constante dentro dos conselhos. Se uma diretriz é estabelecida pelo governo há pouco espaço para posições divergentes. “Quem controla o controlador? Quem controla o estado empresário?”, questionou João Laudo de Camargo, coordenador geral do Capítulo IBGC Rio de Janeiro, durante debate sobre as experiências e os desafios da governança das estatais brasileiras, realizado no dia 8 de agosto, no escritório do BNDES.
“Não podemos dizer que temos governança de verdade nas empresas de economia mista”, disparou logo no início do evento Mauro Rodrigues da Cunha, presidente da AMEC (Associação de Investidores no Mercado de Capitais). Segundo Cunha, o conselho de administração não pode executar funções básicas, como escolher ou demitir o CEO ou mesmo pagar bônus ou reduzir salário dos executivos. Governança implica em delegação de poderes e responsabilização. “Como ter governança sem ter o básico”, argumentou Cunha.
Marcelo Barbosa, presidente da CVM (Comissão de Valores Mobiliários), fez uma ressalva sobre o papel dos conselheiros, em situações de conflito com o acionista controlador, no caso das estatais, os governos. Barbosa analisou a impossibilidade de demissão do presidente executivo. Se o conselheiro tem boas razões para avaliar que o executivo não é apto para o cargo ele deve se manifestar sobre a situação. “Ao manifestar-se, o conselheiro se desincumbe do dever fiduciário”, avalia Barbosa. Porém, se o afastamento não se concretiza por interferência do governo, o conselheiro se previne de responsabilidades.
O conselho de administração das estatais se depara com frequência no conflito do interesse público e o interesse do acionista. Nelson Carvalho, presidente do conselho de administração da Petrobras, lembra a situação da greve dos caminhoneiros. Ele conta que o mandato do conselho era recuperar as finanças da companhia, mas sua política de preços foi acusada por políticos e pela mídia de caminhar contra o interesse do povo brasileiro.
Remuneração
Uma questão que surgiu nos debates sobre governança nas estatais foi a remuneração dos conselheiros. “Esse assunto precisa ser revisitado com coragem e ousadia”, diz o presidente do conselho de Administração da Petrobras. A baixa remuneração dificulta a atração de talentos. Ele ressalta as responsabilidades, no Brasil e no exterior, que o presidente do conselho da Petrobras assume. Para ser conselheiro, segundo Barbosa, além de competência e honestidade, o indicado precisaria ter reservas patrimoniais para sobreviver ganhando essa remuneração.
Wilson Ferreira, presidente da Eletrobrás, concorda com a necessidade de revisão das políticas de remuneração dos conselheiros. O conselho de administração da companhia conta com profissionais notáveis do mercado, mas eles aceitaram o convite de maneira quase voluntária para ajudar a empresa a superar os inúmeros desafios que enfrenta, como o processo de desestatização e desinvestimento. “Não é uma situação sustentável e nem compatível com a realidade”, afirmou Ferreira.
Luiz Spinola, conselheiro de administração do Banco do Brasil, destacou outro entrave para o exercício pleno da governança. Ele conta que as boas práticas de governança adotadas pelo banco não garantem as condições para garantir a perenidade da companhia. O avanço tecnológico e soluções disruptivas no setor financeiro colocam pressão sobre os bancos. Eles reagem com parcerias e aquisições de startups e corretoras inovadoras. “Como concorrer em pé de igualdade com instituições brasileiras e estrangeiras se eu não posso demitir ou contratar funcionários sem concurso? As outras instituições conseguem fazer aquisições e pagar bônus astronômicos para executivos. ”, relata Spinola.
O governo federal está monitorando a evolução da governança nas estatais e a adesão das companhias nas regras impostas pela lei. O Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão criou o Indicador de Governança (IG-Sest), que avalia conformidade com melhores práticas de mercado. Já foram realizados dois ciclos de avaliação, em setembro de 2017 e maio deste ano. Houve melhoria nas médias gerais, de 4,08 para 6,93, respectivamente. “O terceiro ciclo será mais rigoroso e contará com participação de membros independentes na avaliação, como IBGC, B3 e IPEA”, informa Mauro Ribeiro Neto, diretor de governança e avaliação de empresas estatais do Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão.
Eliane Lustosa, diretora de Investimentos BNDES, concorda que há um movimento de evolução da governança nas estatais. “A lei das estatais foi um enorme benefício para o país”, afirma. Ela conta que o banco estabelece requisitos de governança nas empresas investidas, inclusive as estatais e, avaliam se o investimento irá gerar benefícios para a sociedade.
Houve consenso entre os participantes do debate promovido pelo IBGC e BNDES sobre o risco de alteração na lei das estatais. O momento é delicado, pois está sendo discutido no Congresso Nacional o afrouxamento das regras que blindavam as estatais e empresas de economia mista da influência político-partidária. Em julho, a Câmara dos Deputados aprovou emenda que retira o veto à indicação de políticos e seus parentes para cargos de diretor ou conselho de administração das estatais. A mudança ainda precisa ser avaliada pelo Senado. “Temos que garantir que não haja retrocessos”, resumiu o presidente da Eletrobrás.