Agências reguladoras fortes ajudam a blindar empresas estatais
Políticos tentam derrubar restrição a indicação política e nepotismo em empresas públicas
Não foi por acaso que durante as discussões do Projeto de Lei 6.621/2016, sobre agências reguladoras, surgiu a proposta de revogação de um dos dispositivos que blindam as empresas estatais da influência político-partidária. A medida está prevista na Lei 13.303/2016, conhecida como Lei das Estatais. Segundo Sérgio Lazzarini, professor do Insper, as agências reguladoras podem servir de anteparo à interferência política nas estatais. Com esses órgãos enfraquecidos, as empresas tendem a ficar mais expostas à influência de partidos e governos.
“Essas duas propostas (Lei das Estatais e Lei das Agências Reguladoras) estão intimamente ligadas”, afirma Lazzarini, que foi um dos participantes do webinar promovido pelo IBGC, no dia 27 de julho, cujo tema foi “o PL 6.621/2016 e a ameaça à Lei das Estatais”. Durante a discussão, o professor do Insper deu um exemplo recente de como agências enfraquecidas afetam a atividade de estatais: a greve dos caminhoneiros. Em maio, a categoria parou o País ao protestar contra o aumento do preço do diesel. Segundo os caminhoneiros, como o valor do frete não acompanhou a alta dos combustíveis, suas margens de lucro foram brutalmente reduzidas.
“Se é de interesse da sociedade que haja uma estabilização do preço da gasolina, essa discussão, que tem impacto na vida de tantos consumidores, não deveria ser tarefa da Petrobras. Essa questão deveria estar sendo definida, de forma geral, para todo o setor de combustíveis, dentro de uma agência reguladora”, avalia Lazzarini. Na prática, no entanto, Agência Nacional do Petróleo (ANP) regula o setor, mas não os preços. “Se tivéssemos equacionado ou reforçado o sistema regulatório simultaneamente à estruturação das estatais talvez estivéssemos, agora, em outra situação no setor de combustíveis”, completa.
A discussão é resultado da manobra desenhada na Câmara dos Deputados em 11 de julho, pouco antes do período de recesso parlamentar. A comissão especial que avaliava o PL 6.521 aprovou uma emenda que retira da Lei das Estatais o veto a indicações de políticos e seus parentes para os cargos de diretor ou conselheiro de administração. O texto da norma, em vigor desde 2016, impede que pessoas que tenham atuado de forma decisiva em partidos ou campanhas eleitorais ocupem tais posições. A manobra não tem efeitos práticos porque precisa ser aprovada também pelo Senado mas, ainda assim, foi considerado um sinal de que os políticos estão em descompasso com os clamores da sociedade. “Essa mudança é um retrocesso na Lei das Estatais”, classifica Mario Engler, professor da FGV Direito SP e membro do grupo de trabalho de governança de agências reguladoras do IBGC.
O mercado promete reagir à manobra. “O IBGC e outras instituições estão se mobilizando contra essas alterações”, informa Emilio Carazzai, ex-presidente do conselho de administração do IBGC e representante do instituto em fóruns de governança de estatais. Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e membro do grupo de trabalho de governança de agências reguladoras do IBGC, lembra que a Lei das Estatais entrou em vigor, em 2016, como parte de um movimento da sociedade que exigia melhorias na governança das empresas públicas. Essa mobilização da sociedade surge depois de vários traumas, especialmente o “petrolão”, escândalo que envolveu diversos políticos e diretores da Petrobras no desvio de dinheiro da estatal e em casos de corrupção. “Mudar a Lei das Estatais e o projeto das agências reguladoras é ferir de morte duas peças que melhoram a governança na sociedade brasileira. É de uma crueldade institucional ímpar”, critica Oliveira.
Os dois pontos suprimidos nas duas leis, veto a indicações político partidária e nepotismo, comprometem os princípios de imparcialidade e de conflito de interesses. O mercado espera que prevaleçam nas estatais decisões racionais e não os interesses do governo vigente ou o partido que tem o poder naquele momento. A administração deve defender os interesses da empresa e do interesse público. “A companhia precisa ter uma arquitetura institucional que seja adequada e que mostre um sinal inequívoco de governança corporativa”, afirma Oliveira.
Sérgio Lazzarini explica que os políticos não gostam das restrições nas indicações devido ao sistema de coligações e coalizões nas campanhas eleitorais. São apoios costurados entre os partidos políticos para eleger seus candidatos e suas chapas. Segundo o professor do Insper, depois de ganhar as eleições, “a conta precisa ser paga”. Isso envolve acomodar pessoas ligadas aos partidos e políticos em áreas que podem ser “lucrativas” e com isso sustentar as estruturas partidárias. “Os políticos têm um problema a resolver, que é abastecer suas campanhas e empregar todos agentes partidários que colaboraram na eleição de determinado governo”, resume Lazzarini.
Em 16 de julho, o IBGC divulgou uma mensagem na qual roga aos parlamentares a reversão da decisão. “O uso do projeto de lei 6.621/2016, que trata de agências reguladoras, para esse possível desmanche da Lei das Estatais, além de atentar contra a boa técnica legislativa e o bom senso, demonstra um preocupante descompasso entre os interesses dos parlamentares e os apelos da sociedade civil por um Estado mais eficiente e íntegro”, diz a mensagem.
Clique para ver a íntegra do webinar O PL 6.621/2016 e a ameaça à Lei das Estatais, no Canal IBGC.