Especialistas debatem avanço da blockchain
Empresas adotam tecnologia das criptomoedas para elevar segurança e confiabilidade em processos e transações
Blockchain, a tecnologia por trás de criptomoedas como o bitcoin, se tornou assunto popular no mundo dos negócios. No entanto, especialistas acreditam haver um certo exagero quanto às possibilidades de sua utilização. Modelos disruptivos criados a partir da blockchain são raros. “Como todo hype, o blockchain vai passar por momentos de decepção e de amadurecimento”, afirma Carlos Henrique Duarte, CTO (chief technology officer) de blockchain na IBM, um dos palestrantes da sessão paralela sobre blockchain do Encontro de Conselheiros 2018.
Empresas têm adotado a tecnologia para dar mais segurança e confiabilidade a produtos e serviços já existentes. Para Igor Freitas, superintendente de arquitetura enterprise do Itaú Unibanco, a tecnologia está sendo aplicada em operações com pouca regulamentação ou atividades muito manuais, mas sem transformações radicais. Ele não vê grandes mudanças em modelos de negócio por uso de blockchain, especialmente no Brasil.
A blockchain permite registrar o histórico de processos de diversas naturezas. Essa característica possibilita a implementação de procedimentos com controles mais detalhados, diretos e acessíveis. O Walmart está desenvolvendo em parceria com a IBM um sistema de rastreamento da cadeia global de alimentos. Será possível saber todas as fases pelas quais passou o produto que está na prateleira do supermercado. Em cada etapa de produção será gerado um bloco de informação que seria incluído no blockchain corporativo do Walmart.
O setor financeiro começa a implantar projetos com blockchain corporativos, desvinculados das criptomoedas. O Itaú Unibanco emprega a tecnologia no registro de negociações de garantias nas operações de balcão derivativos com outros bancos. A cadeia de blocos armazena todos os depósitos feitos para a garantia da flutuação do valor de um ativo. A cotação desse ativo flutua durante a vigência do contrato e são aplicadas fórmulas para atualização do lastro de pagamento, que eram constantemente questionadas pelas partes. A blockchain registra a fórmula acordada entre os envolvidos de forma inviolável.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) anunciou em junho uma versão preliminar de uma solução de segurança para dispositivos móveis usados por clientes em transações bancárias. O Banco Central, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) também iniciaram a operação de um sistema de blockchain para validação e aprovação de documentos entre as três entidades.
Guilherme Lima, líder do grupo de trabalho de inovação do IBGC, diz que o setor imobiliário oferece outro exemplo da aplicação da blockchain. O bloco de informações de um imóvel estaria registrado na rede, com todas as operações de compra e venda e suas características físicas. Se uma casa sofre um incêndio, por exemplo, isso estará registrado em um sistema de blockchain, e a informação não poderá ser alterada.
A negociação direta de imóveis entre proprietários e compradores compromete o setor mais lembrado quando se fala em blockchain, os cartórios. Como a autenticação das operações podem ser feitas pela própria rede, o reconhecimento de firma ou o registo dos contratos físicos passariam a ser obsoletos nas transações realizadas em blockchain.
Para Duarte, é necessário mais envolvimento dos times de negócios em projetos que envolvem blockchain. As equipes precisam pensar em novas maneiras de interações entre empresas e que resolvam problemas da vida real. Um dos equívocos é pensar em blockchain somente como uma tecnologia, e não como uma ferramenta de negócios. “Os projetos que nascem na [área de] TI estão fadados ao fracasso”, afirma Duarte. A inovação acontecerá com a criação de processos que não seriam possíveis sem essa tecnologia e pela transformação das relações entre as partes envolvidas nas operações.
O que é blockchain?
O sucesso do bitcoin, resultado da mudança da experiência dos usuários, trouxe notoriedade ao termo “blockchain”. Os clientes não estavam mais dispostos a esperar que uma operação financeira demorasse 48 horas para ser processada, relata Duarte. O bitcoin consegue fazer transferências em apenas duas horas, em transações globais diretas e confiáveis.
A plataforma possibilitou transações financeiras sem necessidade de intermediação de uma autoridade monetária centralizadora. A explicação é técnica. Blockchain funciona como uma espécie de livro contábil que é distribuído entre todos os computadores que formam a rede (chamados nós). A base da tecnologia é a criptografia, transformação de arquivos em códigos aleatórios que precisam de uma chave para serem recuperados.
Cada transação realizada na rede gera um registro, que é criptografado. Somente os envolvidos têm a chave privada para recuperação dos dados, o que garante a confidencialidade da operação.
Cada transação gera um bloco de dados que se sobrepõe às fases anteriores, formando uma cadeia de blocos (por isso o nome blockchain). O bloco de informações fica armazenado em todos os computadores da rede.
Esse conjunto sequencial possui todo o histórico de transações, como acontece nos livros contábeis convencionais. Cada transação tem uma chave própria e a criptografia vai ficando cada vez mais complexa com o empilhamento de blocos.
As operações realizadas no blockchain são validadas pela própria rede. Todas as transações são submetidas à plataforma. Os computadores verificam a integridade de toda cadeia de informações e autorizam a transação. Sem a validação da plataforma (50% dos nós mais um) o novo registro é rejeitado. Esse processo garante a imutabilidade dos dados e a confiabilidade das operações.
Para tentar alterar, excluir ou mudar a sequência da cadeia seria necessário quebrar a criptografia de cada um dos blocos em mais da metade dos computadores da rede. Isso exigiria capacidade computacional incomensurável, o que é virtualmente impossível.
O nível de segurança também depende da rede usada. A bitcoin usa uma rede pública e aberta, qualquer um pode se interligar e participar dos processos de validação de operações (processo conhecido como mineração). Outra opção são as redes privadas, chamadas permissionadas, que têm um número limitado de nós e protocolos próprios de validação.