Prazo para estatais se adequarem à lei 13.303/2016 termina em junho
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As empresas estatais brasileiras têm até o dia 30 de junho deste ano para se adequar às novas regras previstas pela lei 13.303/2016, conhecida como Lei de Responsabilidade das Estatais. A legislação regulamenta o artigo 173 da Constituição Federal e estabelece normas a empresas públicas e de sociedades de economia mista nos âmbitos Federal, Estadual e Municipal. A lei pretende diminuir a influência política dentro das companhias e estabelecer mecanismos de transparência e controle semelhantes à de empresas privadas de capital aberto. Entretanto, segundo avaliação preliminar do professor Márcio Holland, professor de Economia da FGV (FGV-EESP) e Diretor do Observatório das Estatais da FGV, as estatais ainda enfrentam dificuldades para se adequarem à nova legislação, mesmo estando a menos de dois meses de seu prazo final. De acordo com sua avaliação, mesmo as companhias listadas em bolsa enfrentam desafios.
Entre as dificuldades enfrentadas pelas companhias aparecem questões como a adequação do tamanho dos conselhos de administração aos limites impostos pela nova legislação. Pela Lei 13.303, os conselhos devem ter entre 7 e 11 membros. “Não é uma tarefa trivial excluir um conselheiro, já que o conselho vem de um histórico de composição política, associada, às vezes, a um partido da base do governo, ou de uma indicação política de um governador”, analisa Holland. A lei também estabelece que, pelo menos, 25% do conselho seja formado por membros independentes. Mas, o maior desfio das empresas estatais é estabelecer e consolidar uma cultura organizacional alinhada com as melhores práticas de governança corporativa.
Leia entrevista do professor Márcio Holland sobre as novas regras impostas pela Lei 13.303/2016 e o desafio das estatais para reforçarem os mecanismos de governança corporativa e se adequarem à nova legislação.
Como o senhor avalia a implementação da lei 13.303, conhecida como a Lei de Responsabilidade das Estatais, e quais as maiores dificuldades que as companhias enfrentam para sua adequação?
Márcio Holland – Está havendo uma grande movimentação das empresas estatais brasileiras para buscar adequação. As empresas têm até o final de junho para convergir para a lei, apenas depois disso poderemos avaliar o conjunto como um todo. Porém, o Observatório das Estatais, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), fez uma avaliação preliminar em 30 empresas listadas em bolsa. Na nossa avaliação, em geral, nenhuma delas passaria, hoje, na nova legislação. Mas temos que esperar até o dia 30 de junho. Provavelmente, muitas terão que mudar o conselho de administração e melhorar um pouco o perfil dos conselheiros independentes. A carta anual de governança corporativa de algumas que eu vi não ficaram adequadas, comitês de elegibilidade não foram constituídos e programas de integridade são precários. Isso porque algumas dessas empresas estão no Novo Mercado e receberam destaque da B3. Na nossa avaliação, ainda não estão em conformidade legal.
Um grande desafio é a adequação dos conselhos de administração. A lei 13.303 estabelece conselhos de 7 a 11 membros. Adequar o tamanho parece uma coisa simples, mas muitas dessas companhias têm 15 ou 17 conselheiros. Não é uma tarefa trivial excluir um conselheiro, já que o conselho vem de um histórico de composição política, associada, às vezes, a um partido da base do governo, ou de uma indicação política de um governador.
Regras mais rigorosas de governança corporativa devem trazer maior eficiência e profissionalização nas estatais?
Márcio Holland –A boa governança corporativa tende a solidificar um ambiente que tem menos influência político-partidária e limitar o abuso de poder do controlador. O arcabouço legal, as exigências impostas pela lei e os mecanismos de controle vão reforçar os pilares da governança nas estatais. Entretanto, estamos falando de empresas que não são privadas, mas que exercem atividade econômica em prol de uma política pública. É um ser meio camaleão, com uma perna no setor privado, mas que cumpre uma função social voltada ao um interesse coletivo. Portanto, tende a persistir o que chamamos de “problema de agência”, termo técnico sobre o conflito de quem opera o cotidiano da companhia com os interesses dos controladores, neste caso, o estado brasileiro. A nova lei deve melhorar a governança do dia-a-dia, mas continua o controle dos governos. Não se espera que os conflitos cessem somente com a implantação da lei.
A criação de regras mais rigorosas de governança corporativa pode diminuir o uso político das companhias? De que forma?
Márcio Holland – Esta foi uma das motivações na proposta da nova lei. Entretanto, a gestão das estatais está sob duas pressões básicas: abuso do poder do controlador, neste caso, o Estado; e a influência político-partidária. A lei reconhece que isso é um problema e tenta mitigá-lo. São vários atos da lei. Pelo menos 25% da composição dos conselhos de administração deve ser de conselheiros independentes. Ministros e secretários estaduais são proibidos de assumir vagas no conselho, assim como pessoas com vinculação político-partidária. Existe todo um arcabouço para definir a elegibilidade das diretorias e dos conselheiros. Devem ser criados comitês de auditoria estatutária e estabelecido um plano de gestão de risco. Isso faz com que as empresas ganhem envergadura e sofram menos com esses dois males de toda empresa estatal, mas isso não quer dizer que acaba com eles.
A Lei 13.303 trouxe mais transparência? De que maneira?
Márcio Holland – A primeira questão importante é que a lei requer que as empresas publiquem suas políticas de transparência e a divulgação de seus resultados. Claro que a política de transparência pode ser inferior ao desejado, mas existem outros mecanismos internos de controle que reforçam a transparência da empresa, como uma área robusta de gestão de riscos, o comitê de elegibilidade e o programa de integridade. A pergunta que devemos fazer é qual a qualidade desses mecanismos? A empresa pode anunciar que tem conselheiros independentes, mas analisando a fundo, isso pode ser duvidoso, por exemplo. As empresas podem estar em conformidade legal, mas não necessariamente adequadas ao padrão de qualidade que a sociedade vai requerer.
A administração pública tem seus órgãos de controle. Existe o Ministério da Transparência, os Tribunais de Conta e o próprio Ministério Público pode fazer solicitações para avaliação das estatais. Também existem os controles sociais. A FGV constituiu o Observatório das Estatais justamente para subsidiar esse controle social, prestando informações e análises da adequação das empresas dentro dessa nova lei. O IBGC tem feito um trabalho extraordinário nesta direção para as empresas privadas e pode estender-se para as empresas públicas.
Como a nova lei consegue conciliar os interesses dos acionistas e a função social das empresas estatais?
Márcio Holland – O conceito de empresa pública, alinhado com a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Económico), é uma entidade corporativa para exploração econômica com controle ou participação do Estado em setor de atividade que a inciativa poderia atuar, mas não atua porque o mercado é imperfeito. Mas quando essa empresa atua em concorrência direta com o setor privado desenvolvido na área, ou seja, que pode prover a sociedade com produtos e serviços a preços competitivos, ela se distancia de cumprir sua função pública. Esse limiar entre concorrer com o setor privado e executar uma política pública é muito difícil e complexo. De acordo com a nova lei as empresas públicas estão autorizadas a atuar para o interesse coletivo, ou por imperativo de segurança nacional, desde que seja economicamente justificável. Instituições públicas são constituídas para uma função específica. O artigo 173 da Constituição Federal é muito claro. A exploração de atividade econômica pelo Estado só é permitida para atender interesse coletivo ou quando imperativo da segurança nacional. O cumprimento de sua função social coloca em dúvida se a grande maioria das empresas estatais deveria continuar existindo. Um exemplo ilustrativo é o Banco da Amazônia, que foi criado em 1942 com o objetivo de reativar a atividade seringueira, matéria prima para a borracha. Essa função perdeu sentido, mas o banco continua existindo até hoje. Existem outros exemplos: justifica existir uma agência de viagem estatal ou uma empresa pública de consórcio de carros e imóveis?
Uma governança corporativa mais robusta contribui para redução de casos de corrupção nas empresas estatais?
Márcio Holland – A nova lei não dá conta, diretamente, de evitar em termos absolutos casos de corrupção. Tudo vai depender do “programa de integridade ética da companhia”, que vai muito além da conformidade legal. Vou dar um exemplo muito simples: mesmo que a lei estivesse em vigor há anos, os diretores da Petrobras que promoveram escândalos de corrupção teriam sido nomeados, pois estariam em conformidade com a lei. Eram considerados profissionais técnicos qualificados e respeitados pelo setor. Simples assim! Não basta estar em conformidade com a lei, mas o que vai garantir a efetividade dos controles é a cultura organizacional, o controle público e o controle social. Como estão o programa de integridade, a diretoria de compliance e os comitês de auditoria estatutária e de elegibilidade? Eles são, realmente, independentes? Essa estrutura institucional e a cultura organizacional da companhia é que vai fazer a diferença.