Compliance é responsabilidade de todos
O termo compliance (conformidade) está se disseminando pelas organizações brasileiras, mas ainda está em fase de evolução. Muitas empresas ainda focam suas práticas somente em ferramentas, medidas de mitigação e mecanismos de segurança, deixando em segundo plano discussões mais amplas sobre o papel dos agentes de governança como disseminadores da cultura de respeito às regras, valores e princípios éticos que deveriam constituir a identidade das organizações. “Por enquanto, os elementos relevantes não foram aperfeiçoados e os benefícios não são sentidos”, afirma Giovanni Falcetta, sócio na área de Complicance da TozziniFreire Advogados.
Especialmente no Brasil, nos últimos anos, a entrada em vigor da Lei 12.846/2013, que pune empresas por atos contra a administração pública, e investigações policiais de grande repercussão contribuíram para aumentar o esforço de empresas em adotar práticas e montar equipes e áreas de compliance. A chamada Lei Anticorrupção incentivou o movimento ao transformar em atenuantes, para as empresas infratoras, a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo a denúncias de irregularidades e a aplicação de códigos de ética e conduta.
O Decreto 8.420, de 2015, trouxe os parâmetros para avaliação dos programas de integridade. Esses programas, apesar de serem destinados a combater especificamente atos contra a administração pública definidos na lei e representarem somente um espectro de um sistema de compliance, ajudaram difundir elementos básicos e colocá-los em voga.
Dados sobre a procura de cursos de compliance oferecidos pelo IBGC mostram o aumento do interesse do mercado sobre o assunto. Entre 2015 e 2017 foi verificado um aumento de mais de 400% no número total de participantes (subiu de 38 para 195). Os cursos in company também tiveram um salto nesse mesmo período, passando de apenas um em 2015 para 13 no ano passado. Verificado o interesse das companhias sobre o tema, o IBGC lançou no dia 27 de abril, em sua sede em São Paulo, o estudo IBGC orienta: Compliance à Luz da Governança Corporativa.
O IBGC assume um papel relevante na disseminação dos conceitos mais amplos sobre compliance e na capacitação dos agentes de governança. Nos cursos oferecidos pelo instituto, os participantes chegam com muitas dúvidas operacionais sobre implantação de programas, como conduzir o assunto frente a uma denúncia e maneiras de avaliar os mecanismos existentes. “Percebemos uma preocupação para saber se a empresa está preparada para enfrentar eventuais surpresas negativas, uma pressa e urgência para arrumar a casa”, informa o gerente de Vocalização e Influência do IBGC, Danilo Gregório.
A abordagem do IBGC é mais aprofundada e vai muito além das discussões sobre regras e procedimentos, mas mostra que compliance não deve ser entendido de modo restrito a uma cartilha de normas internas ou determinar que a responsabilidade é de um único departamento ou grupo de profissionais especializados. Há uma grande tendência de caracterizar compliance como uma atividade operacional (“estar em compliance”) e não estratégica (“ser compliant”), alinhada à identidade organizacional e a comportamentos éticos, explica a coordenadora da publicação, Mercedes Stinco. “Buscamos explorar o que está na essência da cultura empresarial sobre deliberações éticas e consolidar a identidade da organização”, diz.
A disseminação da cultura de conformidade é uma responsabilidade de toda a organização, mas em especial do conselho de administração. “O conselho deve zelar pela observação dos valores, princípios e padrões de comportamento e estabelecer, permanentemente, formas de monitorar se as ações empresariais estão alinhadas com os princípios e valores da organização”, diz Mercedes.
Dentro da visão do IBGC sobre os sistemas de conformidade, a abordagem deve ser ampla e envolver todos os níveis da organização, numa “visão holística” que integra a identidade da companhia, os agentes de governança (sócios, conselheiros de administração, diretores, conselheiros fiscais, auditores) e os demais elementos de compliance. “Os administradores da organização e demais gestores precisam dar exemplos positivos, estabelecendo o tom da liderança”, resume Mercedes.
Capacitação
“Sem governança estabelecida é difícil ter compliance. Compliance faz parte da governança corporativa”, afirma Giovanni Falcetta, sócio na área de Compliance da TozziniFreire Advogados, que participou dos debates no lançamento do estudo do IBGC. O conselho de administração, além de estabelecer os parâmetros éticos, também é um catalizador das mudanças em toda companhia.
Entretanto, para assumir esses desafios, Falcetta avalia ser importante a capacitação dos conselheiros. “É preciso treinar esse novo tipo de profissional, pois poucos conhecem governança em compliance”, avalia Falcetta. “O mais importante para o conselheiro é fazer as perguntas certas”, diz. Os profissionais também precisam saber como reagir e de que maneira podem contribuir e garantir a preservação da companhia em situações críticas de não conformidade.
“Prevenção se tornou imprescindível nos negócios”, afirma Falcetta. Segundo ele, somente a implantação de regras e procedimentos não muda o comportamento e mentalidade das companhias. “Não se muda a cultura criando novas armas”, diz.
Nos cursos do IBGC é incentivada a conscientização dos conselheiros sobre a importância dos conceitos de compliance no dia-a-dia profissional, discutindo situações reais e atualizando os conhecimentos. Segundo Giovanni Faceltta, os conselheiros precisam pensar qual o seu papel dentro da organização, avaliar se os valores pregados são reais e se estão alinhados com suas convicções pessoais. “O conselheiro precisa olhar para seu próprio comportamento para dar bom exemplo, buscando a coerência com os princípios definidos pela organização”, diz Gregório.