Monitoramento dos acordos de leniência: o próximo passo no avanço das práticas de compliance
A contratação de um monitor independente para acompanhar o cumprimento dos acordos firmados entre empresas e o Department of Justice (DOJ), o ministério público americano, já é prática comum nos Estados Unidos (EUA). Segundo a sócia do escritório KLA – Koury Lopes Advogados, Isabel Franco, as autoridades estadunidenses exigem a contratação desse tipo de serviço em praticamente metade das empresas que negociam suas multas por pagamento de suborno.
Isabel esteve presente em palestra promovida pela Comissão de Finanças e Contabilidade do IBGC, no dia 15/03, na sede do instituto, para explicar qual é a função do monitor de compliance e traçar um panorama sobre a regulamentação da legislação dos EUA de combate à corrupção, em especial o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA, em português, lei sobre práticas de corrupção no exterior).
Ela possui larga experiência no assunto, tendo trabalhado como monitora do acordo da Monsanto, que exigiu verificações em mais de 150 países, e atualmente é a responsável pelo monitoramento do acordo que a Braskem e a Odebrecht fizeram com o DOJ.
A advogada explicou que o monitor independente é nomeado pela autoridade judicial, com base em uma pré-seleção feita pela empresa que assinou o acordo. “O monitor não está lá para sancionar a empresa, ele está lá para mostrar os gaps, os furos nos programas de compliance das empresas”, explica Isabel. Fica sob responsabilidade da empresa o pagamento da equipe que fará o monitoramento. Esta equipe inclui advogados, investigadores forenses, cientistas de dados, entre outras especialistas, por períodos que variam de três a cinco anos. O valor desse serviço não costuma ser barato. Por essa razão, Isabel cita a famosa frase de Paul Mcnulty, ex-procurador-geral dos EUA: “Se você pensa que compliance é caro, experimente o não compliance”.
Apesar de ainda não existir uma lei específica sobre a questão no Brasil, a advogada vê que a monitoria de compliance já começa a chegar ao país. Isabel lembrou do processo da Braskem/Odebrecht, em que o Ministério Público Federal pediu para que fosse instalado uma equipe local para monitorar o acordo como parte das negociações que foram feitas pelos governos brasileiro, suíço e americano. “Ele [o Ministério Público Federal] se inspirou diretamente no modelo americano”, declarou. Mas, segundo a advogada, existem casos em que a exigência de um monitor independente é dos próprios credores. Foi assim com a OAS menos de dois anos atrás.
Na avaliação de Isabel, os serviços de monitoria vão movimentar muito o mercado brasileiro nos próximos anos, por dois motivos. O primeiro será por um movimento externo: existem cerca de cem casos sendo investigados pelo FCPA, dos quais ao menos vinte têm conexões com o Brasil. O outro vem do próprio Brasil, que, na avaliação da advogada, tem avançado muito nas ações de combate à corrupção nos últimos anos. “Eu vejo um grande progresso nas ações do Brasil, talvez pelo fato de eu ter ficado fora por quase quarenta anos”, comentou Isabel, que imigrou ainda jovem com a família para os EUA. “Quatro anos atrás eu não tinha nenhum cliente brasileiro, agora eles são muitos”, exemplifica.
Denúncias originam 30% das investigações de fraude
O evento do Comissão de Finanças e Contabilidade do IBGC foi aberto com a apresentação da Pesquisa Global sobre Fraudes e Crimes Econômicos 2018, organizada pela PwC. Realizada a cada dois anos, a edição de 2018 teve mais 7.200 respondentes de 123 territórios diferentes.
O sócio da consultoria e responsável pela coleta no Brasil, Leonardo Lopes, destacou que em todas as regiões do mundo houve um aumento percentual de empresas que relataram ter sido vítimas de algum tipo de crime econômico. No caso da América Latina, essa cifra saltou de 28% dos respondentes para 53%, especialmente impulsionado pelo Brasil. “Mas será que houve um aumento ou uma maior conscientização sobre esses crimes?”, questiona Lopes.
Na sua avaliação, o país vivenciou uma mudança enorme de patamar. Enquanto na pesquisa anterior, de 2016, o processo de mapeamento de riscos não era citado pelas empresas brasileiras, neste ano, 58% das respondentes declararam realizar algum tipo de mapeamento. Os dados da pesquisa também apontam que os estímulos às denúncias estão funcionando: 30% dos casos de fraude investigados pelas empresas começaram após alerta externo ou interno às empresas.