Empresas da construção civil relatam as mudanças na sua governança em evento no IBGC
Nos últimos anos, o setor da construção civil esteve no centro do atual cenário de crise ética no país. Ainda sob forte descrédito, algumas das empresas tentam reconstruir suas reputações.
A fim de acompanhar os rumos e decisões tomadas pelas companhias envolvidas nos atuais escândalos de corrupção, o IBGC convidou representantes de três grandes empreiteiras para saber que mudanças estão realizando, em especial na governança corporativa, para garantir a perenidade de seus negócios. Estiveram na sede do instituto para participar de mais um Fórum de Debates, no último dia 22 de fevereiro, Arthur Badin, diretor Jurídico da Holding da Camargo Corrêa; Eduardo Staino, diretor de Compliance da Andrade Gutierrez; e Maria Cristina Lepkison Faria Ribeiro, gerente de Conformidade da Odebrecht.
Ainda nos últimos meses de 2014, a Camargo Correa foi a primeira empresa a procurar o Ministério Público Federal (MPF) para firmar um acordo de leniência. O movimento aconteceu após investigações internas, de acordo com Arthur Baldin. Na primeira rodada de negociações os valores das multas “não eram factíveis”, declarou, o que impediu o acordo. Então, o MPF iniciou um processo de assinatura dos acordos de delações premiadas apenas com os executivos das empresas nos primeiros meses de 2015. Foram necessários mais seis meses de constantes negociações para que a empresa chegasse a um acordo com o MPF, lembra Badin.
Para o executivo da Camargo Corrêa, estamos vivendo uma mudança cultural na forma pela qual a legislação de combate à corrupção é encarada pela Justiça, inspirada numa transformação que já aconteceu nos Estados Unidos. Os órgãos de investigação não trabalharão mais para apenas punir as fraudes e a corrupção, mas sim na criação de mecanismos de prevenção. “Antes, a pergunta feita pelo MPF às empresas investigadas era ‘o que você fez de errado? ’. Desde a operação lava-jato, a pergunta feita é ‘o que você fez para prevenir que tivesse acontecido aquilo de errado?’”, explicou Badin, que acredita que as ações de prevenção e a postura tomada pela alta administração das empresas após a descoberta de ilícitos serão cada vez mais valorizadas.
A Andrade Gutierrez, representada por Eduardo Staino, foi outra empresa que firmou um acordo de leniência que listava três pontos: o pagamento de uma multa de R$ 1 bilhão; não repetir atos de corrupção; e criar um robusto programa de compliance.
A governança de todas as empresas do grupo passaram por transformações. Na principal delas, a AG Engenharia, foi criado um conselho de administração sem a participação dos acionistas, apenas com diretores. “Está nos nossos planos trazer conselheiros independentes”, afirmou Staino. Segundo ele, no momento em que estavam reformulando a composição do board, no auge da crise de imagem por conta das investigações da Lava-Jato, seria muito difícil conseguir membros qualificados dispostos para participar da reconstrução da companhia.
Outra novidade destacada por Staino, foi a criação do comitê de contratação para apoiar as decisões do conselho. Atualmente, explica o diretor de Compliance, todas as oportunidades que a empresa participa, sejam públicas ou privadas, precisam passar pela análise desse órgão, que analisa os riscos financeiros, de engenharia e traça um perfil de cada cliente. "Hoje a nossa governança não permite que nenhum executivo apresente qualquer proposta, independentemente de seu valor, sem passar pelo comitê”, disse. Um dos resultados desse olhar mais rigoroso em relação aos clientes é que, há três anos, o grupo está sem fechar contratos com o poder público.
De acordo com Maria Cristina Lepkison Faria Ribeiro, “esse processo de restruturação foi denominado como uma jornada de transformação em busca da governança e da conformidade”, definiu. As mudanças teriam começado em 2014, mas o grande marco foi, na avaliação de Maria Cristina, a carta assinada por Emilio Odebrecht, presidente da construtora e publicada em março de 2016. No texto, a empresa assumia seus erros e anunciava que iniciaria uma “colaboração definitiva” com a justiça.
Uma das principais mudanças na governança foi a obrigatoriedade de 20% de conselheiros independentes em cada conselho de administração das sete empresas que compõem o grupo. “Com exceção da Braskem [joint-venture da Odebrecht com a Petrobrás, com atuação nas áreas química e petroquímica], somos uma empresa de capital fechado, mas nós buscamos as melhores referências do mercado para criar esse modelo”, explicou. Também foram criados comitês de apoio, entre eles o de conformidade, para criar e monitorar as políticas de prevenção à corrupção. No modelo de governança aplicado por todas as companhias, Maria Cristina ressaltou que o comitê de conformidade responde diretamente ao conselho de administração, e não à gestão.
A Odebrecht também inovou ao criar, em outubro de 2016, o Conselho Global (na denominação em inglês, Global Advisory Council, GAC) visando apoiar o desenvolvimento da governança e das políticas de compliance da empresa. Formado por especialistas em combate à corrupção e cidadania corporativa, Maria Cristina acredita que esse conselho ajuda a reforçar o caminho da empresa nas mudanças de suas práticas. “Antes de aceitar participar do conselho, os conselheiros escrutinaram a empresa e nós assumimos o risco caso algum deles resolvesse sair”, declarou.
Após a apresentação dos três palestrantes, o debate mostrou que a reconstrução da credibilidade e reputação de empresas envolvidas em grandes escândalos de corrupção passa pela revisão de seus princípios de governança – transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa – e a busca permanente da coerência entre aquilo que se espera de uma organização e o que de fato ela pratica no dia a dia. O sucesso dessa jornada depende da trajetória a ser reconstruída por seus administradores.