Entrevista com Luiz Carlos Cabrera
Com mais de 35 anos de experiência em docência, Luiz Carlos Cabrera foi um dos primeiros profissionais de head hunter no Brasil. Desde 2000 ele ministra aulas no Curso para Conselheiros de Administração do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), onde já atuou como do membro do conselho entre 2014 e 2015. Provocado por questionamentos dos próprios alunos, Cabrera resolveu criar um novo módulo para o mais tradicional curso do instituto, com o nome de "Relacionamento e Decisões Colegiadas". “É uma disciplina sobre sobre comportamento, sobre as relações internas dentro do conselho”, explica. Na entrevista a seguir, Cabrera conta sobre sua longa relação com o IBGC, o novo módulo do Curso para Conselheiros e sobre as principais tensões que existem dentro dos conselhos.
IBGC em Foco: Como o senhor conheceu o IBGC? Como começou a sua relação com o Instituto?
Luiz Carlos Cabrera: Eu conheci o IBGC logo na sua fundação. Por meio de Leonardo Viegas, um dos fundadores. Nós dois fizemos um curso de pós-graduação juntos. Logo no começo, o Leonardo [Viegas] comentou sobre o IBGC, me apresentou o fundador, o senhor Bengt Hallqvist, e achei que era uma iniciativa interessante. Além do Leonardo, outros amigos meus estavam envolvidos nessa iniciativa. Não participei ativamente porque na época estava envolvido em outras atividades. Mas acompanhei desde os primórdios.
IBGC em Foco: Como surgiu a oportunidade para se tornar um instrutor do IBGC?
Luiz Carlos Cabrera: Essa é uma história interessante. O primeiro convite veio do Leonardo, quando seria aberto o primeiro curso de formação de conselheiros. Porém, minha carga de aulas da FGV (Fundação Getúlio Vargas) era muito grande e não foi possível aceitar. Eu cheguei a montar o primeiro programa junto com o Leonardo, mas não consegui horários para dar as aulas. Depois, o IBGC seguiu, evoluiu, e eu acabei me afastando. Anos depois, um dos módulos do curso de conselheiros era sobre comitê de pessoas. Quem ministrava as aulas era um grande concorrente meu, chamado Guilherme Dale. Em um determinado momento, o Guilherme começou a ficar sobrecarregado e se imaginava expandir o curso. Ele lembrou que eu tinha experiência didática e, como ele conhecia bem a área de pessoas, me chamou. Nós começamos a fazer o primeiro curso juntos. O que chamou muita atenção do mercado, que achava o máximo dois concorrentes ensinando juntos. Pouco antes, havia saído uma matéria na Época Negócios, logo após o início da revista, em que eram destacados três head hunters no Brasil: Guilherme, eu e Robert Half. “Dois dos melhores head hunters do Brasil estão dando esse curso, né? Como pode? Deve ser ótimo”. Não muito tempo depois, o Guilherme foi morar um período na Austrália e parou de dar aula. Eu acabei sozinho com o curso.
IBGC em Foco: O senhor também deu aula no módulo de Introdução ao Conselho?
Luiz Carlos Cabrera: Sim, dei aulas sobre comitê de pessoas até que a Sandra Guerra assumiu a presidência do Conselho do IBGC, em 2012, e me pediu para que eu assumisse a disciplina dela, de introdução ao conselho de administração. Foi na turma 56 ou 57. Desde lá, eu tenho tido uma relação como professor. Até que meus amigos Leonardo Viegas e Gilberto Mifano pediram para que eu me candidatasse ao conselho. Eu me candidatei e fui eleito. Fiquei dois anos como conselheiro. Foi uma experiência muito boa. Eu me senti muito útil e senti que aquele conselho, ainda sob a presidência da Sandra, fez diferença. Eu não quis concorrer à reeleição, mas foi uma experiência ótima. Mais tarde, quando terminei o meu mandato, eu voltei a dar aula e comecei uma disciplina nova, com um tema inovador, que será ministrada pela terceira vez, que é uma disciplina sobre comportamento, sobre as relações internas dentro do conselho.
IBGC em Foco: Com relação a essa nova disciplina, o debate sobre a questão comportamental no conselho é muito recente no Brasil, correto?
Luiz Carlos Cabrera: Sim, é muito recente. Até então, a gente tangenciava essa questão durante as aulas, muito por conta das perguntas feitas pelos alunos. Mas não era tratado sistematicamente como é agora. Isso é uma grande novidade e mostra o pioneirismo do IBGC. O programa foi construído com base em experiências pessoais. Tanto o que eu tenho vivido nos processos de avaliação de conselho, que faço há quase 10 anos. Essa disciplina, que debate a relação entre os conselheiros, entre o presidente do conselho com o CEO, a relação dos executivos com o conselho, estava fazendo falta nos nossos cursos. Essa questão comportamental é fundamental.
IBGC em Foco: Em sua aula, o senhor destaca as principais tensões dentro do conselho. Você poderia falar sobre isso?
Luiz Carlos Cabrera: As tensões começam entre os conselheiros, entre aqueles que têm histórico e formação diferentes. De forma geral, o que os acionistas procuram é uma certa diversidade e heterogeneidade. Só que essa diversidade e heterogeneidade provocam visões e estilos de comportamento diferentes. Isso tudo explode em uma reunião do conselho. São duas coisas. A heterogeneidade é de carreira, formação, de histórico. Já a diversidade é de gênero, de idade. Isso cria a primeira grande tensão que é: como fazer essa equipe de estrelas trabalharem em conjunto? A semelhança com o futebol é muito grande. Você pode até montar uma seleção de craques, mas isso não o faz ter um time. Mas se você põe esse grupo para jogar junto, respeitando as suas diferenças e diversidade, aí começa surgir um time. Uma segunda tensão importante é na relação entre o presidente do conselho e os demais conselheiros. Isso porque o presidente não é um chefe do conselho, que simplesmente manda. O seu papel é coordenar, tirar o máximo de cada um dos membros do board, estabelecer um diálogo franco e aberto, permitir que todos deem a sua opinião.
A terceira tensão, muito complicada, é a relação do conselho com a diretoria executiva. Porque a diretoria executiva, por anos, estava acostumada a sempre abrir uma porta e discutir com o acionista majoritário diretamente. E antes disso, o acionista majoritário era também o executivo. Aí, tem uma segunda fase em que o acionista passa a ter um representante da propriedade e um executivo. Quando você introduz uma estrutura de governança, essa diretoria executiva não está conversando com um acionista, mas com um conjunto de conselheiros que representam os acionistas e representam até mesmo o acionista controlador. Essa adaptação de você conversar um a um para conversar com o coletivo é uma tensão enorme.Não são raros os casos em que a diretoria executiva se queixa de trabalhar só para o conselho. "Acabou uma reunião e já temos que preparar outra, assim, eu não consigo fazer o meu trabalho". Porque incomoda o fato de você ter que prestar contas constantemente, de não ter mais essa facilidade e influenciar o acionista controlador. Uma última tensão, é uma particularidade desta questão que falamos. A tensão entre o presidente e o diretor executivo. Porque um dos papéis mais importantes de um conselho, que está até no nome, é aconselhar. Mas a maioria das pessoas que sentam no conselho tem um treino danado nas duas outras atividades do conselho, que são monitorar e decidir. Mas quando se trata de aconselhar, eles não têm muita experiência.
IBGC em Foco: Confiança é uma palavra mais comum de ser ouvido quando se fala de governança corporativa. Agora, você também fala em colaboração. Como deve funcionar a questão da colaboração?
Luiz Carlos Cabrera: Nós escolhemos um elenco de estrelas [para um board]. Pusemos todos eles sentados sobre a coordenação de um presidente do conselho e, agora, eles precisam apreender a trabalhar como um time. O que significa que eles precisam ter um intenso nível de colaboração entre eles. E a colaboração tem alguns pré-requisitos. Um deles é que as pessoas precisam comungar os mesmos valores. O segundo, é que o processo tem que ser ético. O terceiro, é que é necessários ficar claro o que é o bem comum. O contrário do bem comum nas empresas é deixar que os interesses pessoais prevaleçam. Ou seja, trabalhar com valores comungados, dentro de um plano ético, dentro da política do bem. O que é a política do bem? É a política da formação de alianças e parcerias. Quando você tem todos esses fatores, você tem o efeito de colaboração, que como a estrutura da palavra aponta, é colaborar numa ação.
IBGC em Foco: Você também defende que é necessário manter a cerimônia entre os colaboradores e os conselheiros. Como isso se daria?
Luiz Carlos Cabrera: Respeito individual. A cerimônia precisa existir entre amigos, entre casais, entre conselheiros. Um conselheiro perde a cerimônia com o outro quando ele cutuca nos pontos que ele sabe que incomoda o outro. Um casal perde a cerimônia quando no meio de uma discussão, ele ou ela diz o que incomoda o outro. Ou seja, rompe o protocolo de cerimônia. Cerimônia não é distância, não é frescura, não é excesso de protocolo. É respeito ao individuo.
IBGC em Foco:Quais devem ser os propósitos de alguém que quer ser conselheiro?
Luiz Carlos Cabrera: Isso eu não falo nesse módulo do curso, mas no workshop para conselheiros. Mas isso é importante. É preciso que o sujeito tenha a plena noção de qual é a contribuição ao conselho. Por que ele escolheu ser conselheiro? As pessoas dizem que querem ajudar as empresas, "fazer a diferença", deixar um legado. Mas ele precisa ter um propósito claro. Qual desses é o seu propósito? O que pretende fazer como conselheiro? Eu aceito o sujeito que me diga o seguinte: "Eu quero ser conselheiro porque eu não tenho um bom plano de previdência, e não poupei e nessa última fase de carreira eu quero ganhar dinheiro". É o mundo real. Desde que ele coloque isso com clareza. Mas tem um cinismo que impede que as pessoas falem do dinheiro. Já que não quer falar do dinheiro, tem que falar do seu propósito. Qual a contribuição que você traz? O que você põe na mesa que pode ajudar uma empresa? O que você quer deixar como legado? Você quer deixar como legado que você ajudou numa transformação, que ajudou no crescimento, numa revolução, numa evolução? Mas o que eu peço é que as pessoas saibam o que elas estão oferecendo, o que elas estão seguindo. Se não elas entram num esquema "faz tudo", que é terrível.