Como criar um ambiente jurídico e institucional propício para as Empresas B
O Sistema B é uma organização regional que faz parte de um esforço mundial, liderado pelo B Lab, que busca redefinir o conceito de como os negócios são geridos. Ela é mais conhecida pelas B Corporations, empresas certificadas que conciliam o lucro com a geração de impacto positivo no mundo. As B Corporations levantam importantes debates estratégicos para qualquer empresa sobre qual são seus princípios, sua missão e sua identidade.
“Todos os negócios têm algum propósito. Acreditamos que esse propósito, porém, pode transcender a geração de emprego, renda e maximização do valor para o acionista e investidor. Qualquer negócio pode gerar impacto social e ambiental positivo”, explica Aline Gonçalvez, advogada e pesquisadora da FGV.
Aline é também a facilitadora do Grupo Jurídico B, parte do Sistema B dedicada ao aperfeiçoamento do ambiente jurídico e institucional do ecossistema das sociedades de benefício. As B Corporations também provocam uma mudança na maneira como os acionistas, a gestão e os conselheiros devem atuar, já que outros elementos precisaram ser levados em conta além da maximização do lucro.
Conversamos com Aline para entender mais a fundo como é possível criar um ambiente jurídico e institucional propício para empresas de impacto. Leia a seguir:
IBGC em Foco: Existem muitas definições sobre o que seriam empresas de impacto socioambiental, qual seria, em linhas gerais, a defendida pelo sistema B?
Aline de Souza: O sistema B considera como empresas de impacto socioambiental aquelas que geram impacto social e ambiental positivo no curso de suas atividades. Isso quer dizer que as empresas podem ter impacto positivo no produto fim de sua natureza e também na cadeia de valor.
IBGC em Foco: O que é exatamente o Grupo Jurídico B? Como ele funciona? Está aberto a adesões?
Aline de Souza: O Grupo Jurídico B – Brasil, existente desde 2015, possui como missão contribuir com o aperfeiçoamento do ambiente jurídico e institucional do ecossistema das sociedades de benefício. É formado por voluntários, predominantemente advogados, com competências variadas e complementares em áreas como direito societário, tributário, regulatório, ambiental, cível, consumidor, arbitral, internacional, governança corporativa, terceiro setor e responsabilidade social. Também contribuem para o grupo de pesquisadores e outros interessados. São objetivos do grupo: primeiro, produzir, sistematizar e disseminar conhecimentos e análises sobre o ambiente jurídico e institucional do ecossistema dos negócios de impacto, em especial no que se refere às empresas de propósito, buscando aperfeiçoá-lo; segundo, contribuir para as discussões sobre os arranjos jurídicos e institucionais relacionados ao seu tema de estudo, e terceiro, subsidiar o Sistema B nos debates jurídicos e institucionais sobre temas relacionados às empresas de propósito.
Dentre as atuações de destaque estão as contribuições à audiência pública da B3 para a proposta da criação de segmento de impacto, participação em cursos e palestras, suporte às questões jurídicas do ecossistema das empresas B e suporte para o debate regulatório sobre o tema. O Grupo se reúne regularmente e promove os Encontros Jurídicos + B que está aberto a novas participações. Para participar, basta se inscrever por meio deste formulário para se inscrever no mailing receber as datas das próximas atividades.
IBGC em Foco: Que tipo de medidas estão na agenda regulatória que vocês tentam promover no Brasil?
Aline de Souza: Institucionalização de uma alternativa aos empresários que querem promover uma nova forma de fazer negócio e causar impacto positivo. São empresas com propósito claro e definido, responsabilidade ampliada dos administradores e transparência de seu triplo impacto - social, ambiental e econômico. A agenda inclui ainda elementos-chave como mudanças estruturais nas empresas como a coparticipação de stakeholders na tomada de decisão e o uso de instrumentos para autocumprimento de práticas responsáveis.
IBGC em Foco: A definição de um negócio de propósito inclui um tipo ou modelo de governança “corporativa” ou seria uma “governança de propósito” com regras diferentes?
Aline de Souza: A definição de um negócio de propósito passa pela necessidade de compromisso com três características principais: (i) propósito de gerar impacto socioambiental positivo; (ii) transparência das atividades e do impacto gerado, bem como (iii) responsabilidade dos administradores. A governança corporativa tradicional pode auxiliar de maneira relevante para a concretização dessas três características, podendo ainda ser desenvolvida para atender às demandas de mudanças estruturais para a gestão desses três pontos.
IBGC em Foco: Os instrumentos e mecanismos utilizados na administração de uma empresa “comum” podem ser utilizados na administração de um negócio de propósito?
Aline de Souza: Cremos que todos os negócios têm algum propósito. Acreditamos que esse propósito, porém, pode transcender a geração de emprego, renda e maximização do valor para o acionista e o investidor. Que o negócio pode gerar impacto social e ambiental positivo. Internalizar suas externalidades e causar mudanças alinhadas com as grandes necessidades do mundo. Este é o objetivo do Sistema B: redefinir sucesso em negócios, para que não apenas o êxito econômico seja considerado, mas também o bem-estar da sociedade e do planeta.
IBGC em Foco: Um negócio de propósito pode fazer parte de um grupo empresarial maior, como uma holding? E nesse caso ainda pode ter um “certificado” de empresa B?
Aline de Souza: Pode desde que tenha uma identidade própria, caso contrário a holding também precisaria se certificar. Um exemplo nessa direção é a Unilever, que possui em seu portfólio de negócios duas empresas B: Ben & Jerry's e Seventh Generation.
IBGC em Foco: Na mesma linha, como funciona se alguém ou grupo quiser investir em um negócio de propósito? Como deve ser a expectativa dele de lucro?
Aline de Souza: A questão é menos em torno do lucro e mais em como o lucro é obtido. A lógica atual que exige a minimização de custos para maximização de lucros implica a negligência do impacto social e ambiental que negócios geram. São as externalidades que deixam de ser precificadas e contabilizadas no custo. Uma empresa responsável do século XXI considera esse impacto e busca, por meio de sua atividade-fim, gerar um impacto positivo na sociedade e no meio-ambiente. Investidores estão cada vez mais alinhados com isso, pois desde a crise de 2008, têm preferido ganhos estáveis e sustentáveis no longo prazo à ganhos voláteis no curto prazo.