Entrevista exclusiva com Flávia Mouta sobre a evolução das regras para o Novo Mercado
- Pedro Malavolta
- 30 de jun. de 2017
- 6 min de leitura
No dia 23 de junho, a B3 anunciou o resultado da votação da etapa de Audiência Restrita do processo de evolução das regras para do Novo Mercado e do Nível 2 – segmentos especiais de listagem que exigem práticas diferenciadas de governança. As empresas do Novo Mercado votaram a favor da maior parte das mudanças, mas as do Nível 2 foram contra todas as regras propostas.
Em entrevista exclusiva para o IBGC em Foco, Flavia Mouta, diretora de Regulação de Emissores da B3, falou sobre o significado da aprovação, o prazo para implementação das mudanças e os principais impactos na governança.
Na entrevista, Flavia também comenta sobre a diferença na votação entre os dois segmentos. Para que os novos regulamentos fossem aprovados, o número de companhias contrárias às propostas deveria ficar abaixo de um terço em cada um dos segmentos. Para ela, não há uma diferença essencial entre as empresas do Novo Mercado e do Nível 2. “É uma questão muito mais numérica. Para barrar as novas regras eram necessárias a oposição de apenas sete companhias no Nível 2”, afirmou Flavia.
Além dos regulamentos-base, as empresas puderam opinar sobre a inclusão de quatro pontos específicos entre as obrigações: avaliação da administração, Oferta Pública de Aquisição de Ações (OPA) por aquisição de participação relevante; obrigatoriedade de divulgação de relatório de informações sociais, ambientais e de governança; e substituição do quórum da OPA de Saída do segmento para 50%. Apenas o ponto de avaliação da administração foi aprovado na votação do Novo Mercado. Todos os pontos foram recusados pelas companhias do Nível 2. Veja as tabelas com os resultados.
Votação no Novo Mercado
Legenda: (1) Avaliação da Administração, (2) OPA por Aquisição de Participação Relevante, (3) Divulgação de Relatório Socioambiental, e (4) Substituição do quórum da OPA de Saída do Novo Mercado para 50%.
Votação no Nível 2
Legenda: (1) Avaliação do conselho de administração, de seus comitês e da diretoria, (2) Divulgação de Relatório Socioambiental em padrão internacionalmente aceito, (3) Substituição do quórum da OPA de Saída para 50%.
Leia os principais trechos da entrevista a seguir:
IBGC em Foco: O que representa essa aprovação de regras mais amplas para o mercado de capitais brasileiro? É uma sinalização importante nesse momento tumultuado da economia e da política?
Flavia Mouta: Mesmo nesse momento difícil, essa é uma sinalização firme e decidida de que as empresas estão dispostas a melhorar sempre as suas práticas. É um feito, reconhecidamente um avanço.
IBGC em Foco: Quando essas mudanças vão começar a ser implementadas? E como será esse processo de transição?
Flavia Mouta: Esse é um ótimo ponto. Tem havido muito questionamento sobre isso. Na sexta-feira, 23 de junho, encerramos uma etapa obrigatória, que é a etapa de audiência restrita, quando consultamos as empresas listadas nos segmentos se elas aprovam ou rejeitam as mudanças. Como menos de um terço rejeitou, isso significou que as companhias do Novo Mercado aprovaram as mudanças. A aprovação dessas novas regras é pela não rejeição.
Agora vamos encaminhar o texto aprovado para a CVM, para que seja avaliado e aprovado. Com a CVM concedendo essa aprovação, a B3 publica o regulamento final que passará a reger as relações no Novo Mercado. Assim que publicarmos, não começa a vigência imediata. A gente dá usualmente um prazo entre três e seis meses para entrar em vigor. E, além desse prazo para entrar em vigor, haverá um prazo de dois anos de adaptação para as companhias que já estão listadas no segmento.
IBGC em Foco: Por que existe esse prazo de adaptação de dois anos?
Flavia Mouta: Para algumas companhias, as mudanças necessárias são estruturais, tais como implementação de regras de compliance, regras de auditoria interna, criação de comitês de auditoria. Algumas coisas mudam a estrutura da companhia. Por isso é salutar dar um tempo para arrumar as coisas dentro casa, sem pressa.
IBGC em Foco: Então, todas as empresas devem estar totalmente adaptadas às novas regras em 2020?
Flavia Mouta: Exato.
IBGC em Foco: Na sua opinião, quais questões que foram aprovadas no regulamento-base tem a maior impacto na governança?
Flavia Mouta: Eu citaria três grandes pontos. O primeiro dele é uma modificação no conceito de conselheiros independentes e, mais especificamente, que haja no mínimo dois conselheiros independentes em todos os conselhos, independente do percentual. Ainda que o cálculo de 20% de conselheiros independentes indique apenas um conselheiro, em um board de 5, você precisa ter no mínimo 2. Com isso você engrossa a voz desse setor.
O segundo destaque é o capítulo de fiscalização e controle. Aqui estamos falando de requisitos mínimos para os códigos de conduta, funções do compliance e controles internos, obrigação de auditoria interna e comitê de auditoria.
O terceiro destaque é a alteração de saída do Novo Mercado, que passa a ser submetido a um quórum de acionistas minoritários.
IBGC em Foco: Essa mudança pode dar um impulso no Novo Mercado? Aumentar o número de IPOs no Novo Mercado? Principalmente por conta dessa posição diferente entre o Novo Mercado e o Nível 2.
Flavia Mouta: Adoraria dizer sim a sua questão. Mas estaria sendo leviana se fizesse isso. Há muitas outras variáveis que estão envolvidas num processo de oferta.
Mas com o passo que se dá com essa evolução do regulamento do Novo Mercado, a gente afasta esse discurso de que as regras que estão no Novo Mercado hoje já não são robustas o suficiente para atrair por si o investidor estrangeiro. O Novo Mercado se mantém como um benchmark nacional e internacional.
A gente gosta de transformar tudo em uma expressão em inglês, mas um investidor estrangeiro quando vem falar conosco chama o Novo Mercado de Novo Mercado, e não New Market. Novo Mercado é Novo Mercado em qualquer lugar do mundo.
Essa é uma marca valiosa. E esse valor eu espero que contribua para crescimento do mercado brasileiro.
IBGC em Foco: Vocês têm alguma análise do porquê de a regra ter sido aprovada no Novo Mercado, mas não no segmento Nível 2? Teria alguma relação com a forma de enxergar a empresa resultante da lógica de “uma ação, um voto”, que não vale para o Nível 2?
Flavia Mouta: Acho que aqui é uma questão muito mais numérica. Menos romântica do que isso. Estamos falando de 130 companhias no Novo Mercado e de dezenove companhias no Nível 2. A articulação das companhias que eram contrárias à mudança da regra era muito mais fácil no Nível 2. Com sete companhias votando contra você já inviabilizava a reforma. No Novo Mercado, por outro lado, tinha um número relativamente grande de empresas querendo mudar, querendo avançar. “Olha, eu não quero ficar em um segmento desgastado”.
Por outro lado, não acho que podemos dizer que tal regra não se adequa a esse público. Ainda está muito prematuro, talvez mais adiante possamos ter mais clareza. Mas hoje nos parece muito mais uma articulação de contrários no Nível 2 e um movimento diferente no Novo Mercado, onde muitas delas já tinham regras até mais avançadas do que pedíamos. E você vê de fato um movimento de aprovação das companhias no Novo Mercado, e não apenas uma baixa rejeição.
IBGC em Foco: A proposta de avaliação dos conselheiros que foi aprovada provocou algumas reações contrárias. Alguns conselheiros ficaram receosos de que essa avaliação possa ser usada para calar conselheiros mais críticos. Com evitar essa questão?
Flavia Mouta: Nós colocamos esse item em votação apartada para que a discussão em torno do amadurecimento da avaliação da administração não contaminasse o debate do regulamento-base. Queríamos que as companhias refletissem se era o momento de trazer essa questão para o dentro do regulamento especial ou não, sem vincular com outros dispositivos.
A gente endereçou essa preocupação fazendo desse ponto uma votação separada. E ela foi aprovado. É uma sinalização bastante positiva de que isso entra na agenda das companhias abertas brasileiras. A gente precisa sim avaliar o grau de contribuição e profissionalização da nossa alta direção. Aqui eu falo “alta administração” porque a gente não está analisando apenas avaliação do conselho, mas também de comitês e diretorias. Como será esse processo de avaliação? Quem vai discutir isso é a companhia. Não há nenhum tipo de imposição no regulamento do Novo Mercado. Quem decidirá se vai ser um processo de auto avaliação, se uma avaliação feita pela auditoria interna ou um consultor externo é a companhia. O que o regulamento pede é que, depois que ela decida qual será a forma, que ela divulgue no Formulário de Referência. E essa avaliação não pode acontecer a cada dez anos, a cada milênio. O que pedimos é que a avaliação precisa acontecer pelo menos a cada dois anos.
IBGC em Foco: Na sua avaliação, por que a obrigatoriedade de divulgação do relatório de sustentabilidade não foi aprovada?
Flavia Mouta: Vou trazer um pouco do que sentimos nesse processo de debate. Nós observamos três grandes tipos de justificativa para a rejeição da obrigatoriedade da divulgação do relatório socioambiental. Um é fácil de identificar. Quando falamos de Novo Mercado, em termos de tamanho de companhias nós temos praticamente 50% das 130 que são grandes companhias, e os outros 50% são de médias para pequenas em termo de capitalização de mercado. Neste conjunto de companhias menores, elas mostraram muita preocupação com o incremento de custo que poderia trazer a divulgação de um relatório socioambiental no padrão internacional anualmente. E a gente considera que essa discussão sobre custo é legítima.
Um outro grupo, mais disperso, era de companhias que acreditavam que o segmento de atuação delas não era condizente com ter um relatório de impacto socioambiental, por exemplo um grupo de empresas da área de tecnologia. “Meu negócio é tecnologia, eu não corto árvores. É só um custo que não se justifica”. E algumas outras companhias também comentaram que já fizeram relatórios socioambientais, mas ninguém lia, nenhum investidor procurava.
Se você somar tudo isso, você acaba tendo um raio x do porquê de o relatório não ter passado.
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