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Ampliar e sofisticar sistemas de controle, internos e externos, é o suficiente para combater os desv

A cada novo escândalo corporativo são criadas novas regras e regulamentações. Foi assim com os balancetes fraudados da Enron, com a crise do mercado de subprime em 2008, ou com a sucessão de denúncias de corrupção no Brasil. Mas o simples aumento ou complexificação dos sistemas de controle interno e externo seria suficiente para impedir essas falhas empresariais? Esse é um questionamento que levanta o professor da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EBAPE), Joaquim Rubens Fontes Filho.

“As falhas empresariais estão associadas a erros procedimentais, fraudes, desvios, não-conformidade, aspectos que são passíveis de um controle eficaz pelos mecanismos internos e externos, mas também a comportamentos humanos racionais ou não”, explica. Segundo Fontes Filho, isso faz com que nem sempre a ampliação dos sistemas de controle consiga atingir as causas dos problemas. Podendo, no limite, apenas gerar mais custos para companhias, sem efetivamente melhorar a conduta das organizações.

Ele ressalta que não é contrário a existência dos sistemas de controles, mas defende uma “racionalização pela incorporação de considerações sobre outras dimensões, em particular da natureza humana”.

Ele foi um dos palestrantes do evento de debate sobre o livro Governança Corporativa e Integridade Empresarial, realizado no Rio de Janeiro, no dia 22/02, pelo capítulo Rio de Janeiro do IBGC e o programa Alumni FGV/EBAPE. O livro foi publicado pelo IBGC em novembro de 2017, e tem entre seus organizadores o professor Fontes Filho.

Em entrevista concedida por e-mail, Fontes Filho comenta o aumento de importância das empresas na sociedade e os limites das estruturas de controle e sobre o significado da palavra integridade, que, segundo ele, “é antes um conceito prático do que uma orientação ética”.

Leia entrevista na íntegra a seguir:

IBGC em Foco: O senhor foi um dos organizadores da publicação Governança Corporativa e Integridade Empresarial, que foi tema do debate no Rio de Janeiro no dia 22/02. No documento, vocês definem de uma maneira um pouco diferente do usual o conceito de Integridade. O senhor poderia explicar a definição que usaram?

Conforme discutido logo na introdução do livro, e bem detalhado no primeiro capítulo do Carlos Brandão, Alberto Perazzo e Nelson Raso, o termo Integridade teve como referência dois trabalhos importantes na literatura, de Michael Jensen, de 2009 (Integrity: Without It Nothing Works) e Erhard e Jensen, de 2012 (Beyond Agency Theory: The Hidden and Heretofore Inaccessible Power of Integrity ). Para esses autores, integridade se refere a ser inteiro, completo, a "um estado ou condição de ser inteiro, completo, ininterrupto, intacto, sólido, em perfeitas condições". Trata, portanto, de “honrar a palavra”, cumprir sempre o que prometeu, de forma que mesmo quando se mostra que não será possível cumpri-la todos os esforços, éticos e legais, serão realizados para minimizar eventuais impactos sobre os outros em decorrência desse não cumprimento da sua palavra. É interessante observar que o conceito de integridade está fortemente relacionado com os princípios basilares da governança corporativa, de transparência e prestação de contas. Não é um conceito normativo, de orientação ética ou moral e que ajude a decidir entre o certo ou errado, mas antes um conceito prático. Cumprir a palavra, ser íntegro, não é objeto de uma análise de custo-benefício, mas trata de mostrar coerência de propósito e ação a todos os stakeholders importantes da empresa, em especial empregados, acionistas, clientes e fornecedores. É o contrário do que fazem empresas que se atribuem valores éticos e comprometidos com a legalidade, mas cobram de seus vendedores metas e comportamentos vinculados a ações ilícitas.

IBGC em Foco: Além de organizar a publicação, o senhor escreveu um dos artigos. Ali o senhor define o que seriam falhas das empresas. Poderia explicar para os nossos leitores? E por que hoje essas falhas despertam mais atenção da sociedade?

A discussão, e atitudes, voltadas a promover à integridade empresarial são cada vez mais importantes, dado o enorme poder e influência que as empresas têm em nossas vidas atualmente. Vale destacar que em 2015 as 10 maiores empresas globais alcançaram receitas conjuntas superiores a de 180 países somados (em um total de 207 países) e, das 100 maiores entidades econômicas, 69 são corporations. Em síntese, a crescente importância econômica e social das empresas amplifica suas externalidades, positivas e negativas, e com isso os impactos de suas falhas. O conceito de “falhas empresariais” permite diversas elaborações, mas para o contexto do livro foi tratado como “circunstâncias ou eventos que levam a empresa a uma atuação subótima em decorrência de deficiência nos sistemas de controle ou da atuação dos administradores, configuradas por eventos de corrupção, fraudes ou ações de oportunismo gerencial”. Ou seja, são ocorrências distintas das que ocorrem no comportamento e resultado da empresa em sua atuação de mercado, em que perdas e ganhos são normais. As falhas empresariais estão associadas a erros procedimentais, fraudes, desvios, não-conformidade, aspectos que são passíveis de um controle eficaz pelos mecanismos internos e externos, mas também a comportamentos humanos racionais ou não. Neste sentido, executivos arrogantes ou narcisistas podem criar barreiras às informações negativas; a dinâmica de grupo dos órgãos colegiados, em especial do conselho de administração, pode criar posturas passivas dos membros no questionamento das informações ou receio que criar conflitos no grupo; administradores podem passar a mensagem com suas atitudes que estão acima das regras (management override), entre outros comportamentos que podem estar na origem de falhas empresariais importantes pelo mundo. São estes aspectos que trato no texto. Certamente, outro aspecto importante a ser considerado, e tratado no capítulo, remete à própria cultura e valores nacionais. A criminalização de fraudes ou desvios de altos executivos apenas ocorreu nos EUA a partir da década de 1960. Na Alemanha, até 1999, os recursos utilizados pelas empresas para buscar apoio de políticos em outros países, ou suborno, eram passíveis de dedução do imposto de renda. No Brasil, provavelmente apenas nos últimos 20 anos esses desvios deixaram de ser considerados como “naturais”, ou, no jargão empresarial, “business as usual”. Mas em uma sociedade caracterizada pela elevada importância das relações interpessoais e pelo jeitinho a aceitação de falhas e desvios pode ser mais usual, o que remete a questão: Como sustentar a efetividade dos controles ante a primazia das relações pessoais sobre regras formais?

IBGC em Foco: O senhor questiona se a sofisticação de mecanismos e sistemas de controle seria suficiente para evitar os desvios das empresas. Por que isso?

Desde (ao menos) a elaboração do Relatório Cadbury, em 1992 no Reino Unido, que os sistemas de controle empresariais vêm se sofisticando e ganhando importância na governança, com vistas a alinhar a informação produzida nas empresas àquela recebida por acionistas e investidores. Eventos posteriores, como a crise induzida pela Enron, e a resposta da Sarbanes-Oxley [lei promulgada em 2002 nos EUA], a crise poucos anos depois trazida pela quebra do Lehman Brothers, além de inúmeros eventos resultantes de fraudes e desvios empresariais no Brasil e no mundo, têm tido como resposta comum o aumento na amplitude e intensidade no uso dos sistemas de controle. Nesse sentido, aumenta a responsabilização do conselho por supervisionar esses sistemas e assegurar a qualidade dos controles. É inquestionável a importância dos controles. Mas controles internos, de forma geral, representam custos associados aos processos das empresas que, a partir de certo ponto, podem trazer perda de competitividade, não apenas pelos custos diretos de sua execução como também derivados de potenciais comportamentos induzidos de insegurança, desconfiança e mesmo desmotivação, aspectos bastante discutidos na literatura. Nos primórdios, as questões de governança derivam da separação entre a propriedade das empresas e os gestores que conduziam suas ações, no chamado problema de agência, que deriva da assimetria de informações entre proprietários e executivos. Os sistemas de controle, em geral, tentam reduzir essas assimetrias, mas não é possível eliminá-las completamente. Além disso, retomando a discussão anterior, podem ampliar relações de desconfiança na empresa, baixa cooperação, ou mesmo comportamentos de cinismo e oportunismo. Pesquisas internacionais mostram que o brasileiro é caracterizado por uma baixa confiança interpessoal, privilégio dos laços pessoais próximos às normas burocráticas, aceitação de elevada distância de poder, enfim, inúmeras características que compõem nossa personalidade e que podem reduzir significativamente a efetividade dos controles formais. Como discutido no capítulo, a proposta apresentada remete, principalmente, a considerar os aspectos sociais e culturais na arquitetura dos sistemas de controle, reduzindo a ênfase do pressuposto que mais controles reduziram eventuais desvios e falhas.

IBGC em Foco: Por que o senhor acredita que o crescimento das exigências dos sistemas de controle estaria chegando ao limite?

Porque os custos dos controles, de forma agregada, estão crescendo muito. Além disso, a quantidade de exigências e prestação de contas impostos aos administradores traz efeitos sobre a motivação e também sobre tempo e esforço dedicado à execução das estratégias. Uma pesquisa nos EUA, inclusive, aponta que esse crescente volume de controles aumenta os riscos dos administradores e consequente pressão por maiores valores de remuneração. Estamos iniciando estudos para avaliar os custos envolvidos, razão porque essa é uma avaliação ainda subjetiva. Mas representa uma reação contra a visão de tentar resolver todas as falhas que ocorrem instalando mais sistemas de controle, sem conhecer melhor as causas – com frequência relacionada à natureza humana, sistemas sociais ou culturais – e outras possibilidades de tratamento. Muitas empresas listadas hoje devem se adequar a códigos de governança nacionais, regras do Novo Mercado, regras de governança setoriais como no caso das distribuidoras de energia, regras de listagem em mercados internacionais que, destaque-se, muitas vezes são incompatíveis. Aumentam também as pressões por auditorias, riscos (inclusive cibernéticos), compliance e controles internos, ouvidoria, e também as auditorias externas. Uma empresa da área de energia pode estar sujeita a quatro ou mais auditorias externas distintas: fisco federal, estadual, meio-ambiente, regulador energia, etc. Importante destacar que não estou defendendo uma posição contrária ao controle ou minimizando sua importância, mas uma possível racionalização pela incorporação de considerações sobre outras dimensões, em particular da natureza humana.


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