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Ladislau Dowbor: “O capitalismo passa por mudanças profundas”

O sistema capitalista está entrando em uma nova fase, na qual a produção de bens materiais perde importância, a velocidade e conexão das transações financeiras aumentam e as decisões passam a ser tomadas com base no resultado de complexos algoritmos e big data. Assim, as consequências dessa mudança serão maior concentração de renda, crise das instituições políticas e desastres ambientais.

Quem pintou esse quadro nada otimista foi o economista Ladislau Dowbor, que esteve presente no seminário da Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil, realizado no dia 5 de setembro, na sede do IBGC. Dowbor é professor titular da PUC de São Paulo e consultor de diversas agências das Nações Unidas e está lançando seu novo livro: Na Era do Capital Improdutivo.

“O sistema que conhecíamos – com empresas que produzem, consumidores, intermediários desse processo e com o governo organizador dessa lógica de funcionamento –, está sofrendo um deslocamento profundo”, disse Dowbor.

Segundo o professor, três grandes “mudanças sísmicas” estão construindo um outro capitalismo. A primeira grande alteração está na produção. Ele usa o exemplo de um celular: “a maior parte do valor é resultado de design, pesquisa ou conhecimento incorporado, e apenas uma pequena parte é ainda ligado às matérias-primas e ao trabalho fabril”. O principal fator de produção hoje, explica Dowbor, seria de um consumo que não reduz o estoque: o de "ideias" e "conceitos”.

O segundo eixo de alteração é a conectividade, que permite que pessoas em diferentes locais possam comercializar entre si, o que acaba com necessidade dos intermediários tradicionais, ao mesmo tempo que permitiu um grande crescimento do sistema financeiro internacional. Por último, o professor listou o impacto do big data e dos algoritmos na organização do cotidiano, na comunicação, nos negócios e mesmo na política. “As consequências da utilização dos algoritmos já pudemos ver com a eleição do Donald Trump nos Estados Unidos”, lembrou.

Mas essas potencialidades não teriam gerado um mundo mais livre, sustentável e justo. Pelo contrário, se seguirmos os dados apresentados pelo professor : 52% da fauna do planeta foi extinta entre 1970 e 2010; oito pessoas possuem mais riquezas que metade da população mundial; e 800 milhões de pessoas passam fome. Esse cenário, para ele, mostra que “a lógica do lucro se desgarrou da lógica de produção e da geração do bem-estar”.

Outro ponto, que marca essa nova etapa do capitalismo na visão de Dowbor, é a diminuição do poder relativo dos Estados-Nação. Segundo ele, as grandes empresas transnacionais, em especial do setor financeiro, passam a operar em escala global, acumulando e concentrando muitos recursos. Os quatro principais bancos da City londrina administrariam cada um deles, em média, US$ 1,82 trilhões, um volume maior do que o PIB do Brasil, calculado em US$ 1,79 trilhões em 2015.

Como as empresas devem atuar

Para Dowbor, as empresas precisam mudar a maneira de decidir e planejar no longo prazo. “As empresas inteligentes já estão trabalhando com a filosofia básica de espaços de mudança insegura e imprevisível, ou seja, assegurar portas abertas, não colocar todos os ovos na mesma cesta”, explicou.

Ele disse já enxergar uma mudança em parte das companhias, que, de uma lógica voltada para a maximização do lucro, tem se deslocado para considerar o tripé da sustentabilidade: o social, o ambiental e o econômico. “Mas é ainda necessário deslocar esse pensamento também para uma visão sistêmica e de mais longo prazo”, recomenda. Ele acredita que a visão “curto-prazista” é uma das responsáveis pelos problemas ambientais e sociais que enfrentamos.

Os integrantes dos conselhos não têm uma tarefa fácil pela frente, na opinião de Dowbor. “Mesmo um conselheiro preocupado com o meio ambiente tem dificuldade de conseguir alterar as ações da empresa quando o debate é sobre aumentar o rendimento e o denominador comum é o dinheiro”. O professor advoga que a preocupação com o bem comum tem que se sobressair nos processos decisórios.

“O bem comum faz parte do meu bem. Nem sempre é fácil transmitir essa ideia. Mas eu vivi em países africanos pobres em que as pessoas vivem bem e felizes porque usam de maneira inteligente os recursos que tem. Sem falar os países nórdicos em que você tem um convívio e um respeito social que garante uma melhor qualidade de vida”, comenta.


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