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"A empresa que cresce às custas de atos ilícitos distorce a competição, pois cria uma vantagem

Especialista em governança corporativa e análise de investimentos define o crescimento através de atos ilícitos como "doping corporativo"

Ana Siqueira faz parte do time de coautores do livro “Retomada do crescimento: diagnóstico e perspectivas”, lançado no último dia 20 de junho, no Rio de Janeiro. O livro, organizado por Fabio Giambiagi e Mansueto de Almeida, apresenta coletânea de reflexões sobre o Brasil no período atual e propostas para a superação dos seus principais problemas a partir de 2019. Ana é coautora do capítulo "O futuro da Petrobras”, que aborda a destruição de valor, os primeiros sinais de mudança e a agenda de transformação para refundar a empresa.

Com o objetivo de explorar temas como ética, visão de longo prazo e meritocracia, a IBGC em Foco entrevistou a especialista, também integrante da Comissão de Pessoas do IBGC. Confira:

IBGC em Foco: Quais os passos para se conhecer a fundo uma empresa?

Ana: Conhecer uma empresa requer uma abordagem multidisciplinar, que engloba diversas áreas do conhecimento. Como requisitos para uma boa análise, é necessário ser questionador e curioso. A experiência é fundamental para o amadurecimento do olhar crítico e a reflexão é o fio condutor que conecta o conhecimento. O valor de uma empresa está intrinsecamente relacionado aos seus fundamentos e à qualidade de sua governança corporativa, que é importante instrumento de controle de risco. Como ponto de partida, é essencial a realização de uma detalhada análise do estatuto social da organização, do relacionamento da empresa com seus stakeholders , histórico de acionistas controladores, membros do conselho de administração e diretoria. A análise da qualidade da governança deve funcionar como um filtro para então se passar para análise setorial, posicionamento competitivo da empresa e suas perspectivas. Outra questão relevante a ser analisada é se a estrutura de remuneração (incentivos) está adequadamente estruturada, de forma a viabilizar alinhamento de interesses e foco na perenidade da empresa.

IBGC em Foco: O que é o doping corporativo e como funciona?

Ana: A empresa que cresce às custas de atos ilícitos distorce a competição, pois cria uma vantagem competitiva desleal. A corrupção é um exemplo do que chamo de doping corporativo. Nos esportes, a terminologia “fair play” é muito utilizada e significa jogo justo e honesto. Atletas precisam cumprir as regras sob pena de serem punidos. Talvez um dos casos mais lamentáveis do mundo dos esportes tenha sido a descoberta de uso de doping por Lance Armstrong, o que lhe custou perda de medalhas e causou mancha em sua até então, impressionante biografia. O “sucesso” adquirido através do uso de doping corporativo não tem mérito porque a concorrência com os players foi desleal. A empresa ética, que segue as leis, tem dificuldade em competir com as transgressoras de regras.

IBGC em Foco: Como a falta de meritocracia pode abalar uma empresa?

Ana: A falta de meritocracia pode matar uma empresa, porque ela é o grande incentivo para as equipes se dedicarem, inovarem e gerarem valor. Quando não existe a meritocracia, as equipes tendem a se mostrar passivas e não é possível extrair o melhor delas, porque não se sentem recompensadas pelo esforço. A recompensa não é somente financeira, ele envolve também reconhecimento pelas realizações.

IBGC em Foco: Vimos empresas com sistemas de governança aparentemente robustos serem investigadas na Operação Lava Jato. Como é possível garantir a efetividade dos sistemas?

Ana: É muito chocante observar escândalos corporativos em série envolvendo empresas líderes em seus respectivos segmentos. Estes escândalos provocam grandes externalidades e mostram a profundidade da crise ética que o país vive. Nesses casos pudemos observar que a governança foi utilizada como um mero instrumento de marketing por grandes empresas. E isso é um desserviço porque toda a estrutura de “governança” nestas empresas foi criada como fachada e não para de fato funcionar. A governança deve existir de fato, deve fazer parte da cultura da organização. Ela tem que sair dos websites, dos quadros pendurados nas paredes e ir para a linha de frente da empresa, fazer parte do DNA.

IBGC em Foco: A governança vem do topo?

Ana: O tom vem do topo. O conselho de administração, como guardião da governança, tem papel preponderante em fomentar uma cultura ética. Os administradores devem praticar e disseminar valores nela fundamentados. Atitudes dos líderes valem muito mais que valores registrados na comunicação corporativa.

IBGC em Foco: Você diria que a corrupção é um comportamento social?

Ana: temos o hábito de olhar a corrupção em grandes crimes, mas ela nasce nas pequenas transgressões. Temos que nos preocupar com o comportamento das pessoas, seja no ambiente de trabalho ou em suas vidas pessoais. Temos que ter tolerância zero com qualquer tipo de corrupção. Se não fizermos isto, a cada dia é cometido um crime um pouco maior e a percepção do errado vai se perdendo.


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