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Comunicação na mira dos conselhos: desafios e oportunidades

“Suas atitudes falam tão alto que eu não consigo ouvir o que você diz."

Ralph Waldo Emerson

A comunicação é um tema que se aproxima, e deve se aproximar ainda mais, da pauta dos conselhos de administração. Isso porque os impactos positivos ou negativos produzidos pela troca de informações em rede atingem, cada vez com mais rapidez e intensidade, o valor real e percebido das organizações.

Assistimos na última década à queda implacável da reputação de muitas empresas, líderes e produtos como consequência de denúncias, algumas vezes anônimas, com repercussões que geram danos morais e financeiros significativos e, em alguns casos, irreversíveis. O contrário também se aplica, quando constatamos o sucesso e o crescimento exponencial de algumas iniciativas. O aspecto mais evidente dessa dinâmica é a evolução tecnológica que subverteu nossa percepção de tempo e espaço. Podemos caminhar pelos corredores da companhia em São Paulo fechando contratos com fornecedores em Shangai; fazer a gestão de projetos complexos com equipes em diversas partes do mundo; ou mesmo publicar uma foto no Brasil que provocará a queda das ações de uma empresa americana na bolsa de Tóquio segundos depois. São infinitas possibilidades que aceleram a produtividade e geram grandes evoluções, mas que também podem reproduzir e amplificar fraquezas e riscos. Basta observar as publicações que proliferam agora mesmo para encontrar inúmeros exemplos. Na era das redes, transparência é condição.

Mas, se na revolução da comunicação a tecnologia da informação é a parte mais aparente, sua base menos visível e muito mais determinante, são os comportamentos e as escolhas individuais, coletivas e institucionais feitas a cada instante. A teoria da nova comunicação criada nos anos 40 pela Escola de Palo Alto/EUA nos ajuda a compreender esta abordagem ao definir que a comunicação pragmática é sinônimo de comportamento e que, assim como não é possível não se comportar também não é possível não se comunicar. Tudo o que se faz, ou não se faz, diz ao mundo quem se é. Sempre foi assim, a diferença é que se antes os comportamentos se mantinham restritos aos nossos interlocutores mais próximos, agora atravessam o planeta com a velocidade de um clique.

O filósofo francês Jean François Lyotard (1924-1998) preconizou que na pós-modernidade - período iniciado nos anos 90 com a queda do muro de Berlim e o surgimento da internet - haveria uma inversão na relevância entre metanarrativa e a micronarrativa nas relações sociais. Este conceito se aplicado ao universo das corporações explica como o fluxo de comunicação, antes editado e distribuído exclusivamente por veículos de mídia e relações públicas, tornou-se mais fragmentado e fora de controle. Hoje somos todos seres ‘comunicantes’ em condições de questionar o discurso ‘oficial’, produzir e reproduzir versões complementares e/ou contraditórias. A ‘rádio-peão’, antes periférica, se transformou na unipresente “rede-peão”.

Em um contexto com tantas possibilidades interativas é compreensível que pesquisas internas demonstrem que 10 entre 10 empresas apresentam algum problema de comunicação. Como consequência, a habilidade comunicativa se tornou uma das competências mais desejadas para os cargos de liderança. O estudo global The Ketchum Leadership Communication Monitor de 2014, a partir de levantamentos com mais de 6.500 pessoas em treze países, sendo quinhentas no Brasil, apontou, no entanto, que apenas 35% dos líderes corporativos correspondem às expectativas de seus públicos. “Liderar pelo exemplo” apareceu na pesquisa como o quesito mais valorizado, enquanto a “retórica inspiradora” figurou na última linha. Isso nos faz compreender que, se por décadas a oratória e a força de mensagens-chave foram suficientes para a construção da imagem, no mundo das redes, são as ações-chave que criam e sustentam a reputação. A era da transparência é a era do comportamento e, portanto, da comunicação pragmática.

Como expressão e vitalidade da cultura organizacional, a comunicação requer atenção e cuidado permanente de todos. É essencial que o Conselho, como guardião do posicionamento, dos valores e da estratégia da companhia, conte com comunicadores experientes que contribuam para a melhor compreensão dessas mudanças profundas e na cocriação de formas mais produtivas de relacionamento com os stakeholders. Que o próprio Conselho seja um exemplo da prática do diálogo em sua composição e na abertura às diferentes visões de mundo. O Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa destaca que a diversidade permite que a organização se beneficie da pluralidade de argumentos e de um processo de tomada de decisão com maior qualidade e segurança.

Na pós-modernidade, só o discurso não basta e a frase escrita por Emerson no século XIX, que abre este texto, se mostra mais atual do que nunca.

* Vânia Bueno Cury é comunicadora, professora e membro da CESE – Comissão de Estudos em Sustentabilidade para Empresas do IBGC.


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